Quarta-feira, 20 de Fevereiro de 2008
A TERRA - MIGUEL TORGA
Também eu quero abrir-te e semear Um grão de poesia no teu seio!Anda tudo a lavrar,Tudo a enterrar centeio,E são horas de eu pôr a germinarA semente dos versos que granjeio.Na seara madura de amanhãSem fronteiras nem dono,Há de existir a praga da milhã,A volúpia do sonoDa papoula vermelha e temporã,E o alegre abandonoDe uma cigarra vã.Mas das asas que agite,O poema que canteSerá graça e limiteDo pendão que levanteA fé que a tua força ressuscite!Casou-nos Deus, o mito!E cada imagem que me vem É um gomo teu, ou um grito Que eu apenas repitoNa melodia que o poema tem.Terra, minha aliadaNa criação!Seja fecunda a vessada,Seja à tona do chão,Nada fecundas, nada,Que eu não fermente também de inspiração!E por isso te rasgo de magiaE te lanço nos braços a colheitaQue hás de parir depois...Poesia desfeita,Fruto maduro de nós dois.Terra, minha mulher!Um amor é o aceno,Outro a quentura que se querDentro dum corpo nu, moreno! A charrua das leivas não concebeUma bolota que não dê carvalhos; A minha, planta orvalhos...Água que a manhã bebeNo pudor dos atalhos.Terra, minha canção!Ode de pólo a pólo erguidaPela beleza que não sabe a pãoMas ao gosto da vida!Miguel Torga