Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2008
Entrevista de Rui Costa Pinto ao jornal Diabo
«O Governo ficou refém das suas próprias hesitações, omissões e contradições» fotoruicp-1.jpg Com a devida vénia ao jornal DiaboIsabel Guerreiro DIABO — Depois da recente notícia publicada pelo «El Pais», que divulgou um documento secreto que prova que o Governo de Aznar foi informado, em Janeiro de 2002, pela embaixada dos EUA, da passagem por Espanha de aviões transportando prisioneiros acusados de terrorismo para a prisão de Guantánamo — e que, segundo o jornal, outros governos europeus também teriam sido informados, nomeadamente os de Portugal, Turquia e Itália — compreende que o Governo português continue a argumentar com o desconhecimento? RUI COSTA PINTO — Não. Ninguém com boa-fé o compreende. Houve limites que nunca deveriam ter sido ultrapassados. Desde que Diogo Freitas do Amaral abandonou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Governo ficou refém das suas próprias hesitações, omissões e contradições. Felizmente, o tema tem uma dimensão internacional, a qual lhe confere uma dinâmica que escapa a eventuais comportamentos prepotentes. - Além destas revelações, a que se juntam, entre outras, as suas conclusões no livro recentemente publicado e o relatório da Amnistia Internacional, como classifica o comportamento das autoridades portuguesas em todo este processo? Não são já provas a mais que confirmam o envolvimento de Portugal? - No mínimo, politicamente repreensível. É preciso ter estofo de estadista para assumir a participação e o envolvimento, por acção ou omissão, numa tão grosseira violação de princípios de civilização. Infelizmente, José Sócrates não se compara a José Luis Zapatero ou a Angela Merkel, para citar só alguns dirigentes europeus que tudo estão fazendo para descobrir a verdade. «Acolher detidos em Guantánamo não apaga o que se passou anteriormente» - Quem tem estado a ocultar factos e a não dizer toda a verdade? - Quem tem o dever institucional de revelar tudo o que se passou, ou seja, os órgão do Estado. O Estado não pode nem deve ser confundido com uma qualquer maioria política conjuntural. Nem pode estar à mercê da dúvida sobre a actuação dos Serviços de Informações. Constato também com tristeza o silêncio de anteriores primeirosministros (António Guterres, Durão Barroso e Pedro Santana Lopes) e do anterior e actual Presidente da República (Jorge Sampaio e Aníbal Cavaco Silva). - De onde tem partido a maior parte das movimentações para encobrir a verdade? - O Governo de José Sócrates só admitiu uma parte dos factos depois de Ana Gomes, Eurodeputada socialista, ter revelado dados que o próprio Governo não forneceu em devido tempo. A recente intenção de acolher detidos em Guantánamo (a confirmar-se) é louvável, mas não apaga o que se passou anteriormente. Nunca imaginei assistir a reacções governamentais a reboque de revelações feitas por deputados, jornalistas e governantes de países estrangeiros. Certamente, não é por acaso que a maioria socialista chumbou os pedidos de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Aliás, chegou a ser penoso ter de assistir a algumas declarações, sobre a matéria, de Augusto Santos Silva, que me habituei, em tempos, a ver respeitado na generalidade dos meios de esquerda. - Mas por que motivo os factos não são politicamente assumidos? Por cobardia, por subserviência, por falta de dignidade política? - É uma pergunta que continuo a fazer a mim mesmo. Cheguei a acreditar que a arrogância política do actual primeiro-ministro, — para não falar da sua inexperiência —, poderia ser uma explicação plausível. Hoje, acho que tem de haver outra razão. Há uns anos, em finais dos anos 90, o País agitou-se por causa da revelação de eventuais ligações de portugueses ao KGB. Hoje, outras ligações à CIA parecem não ter a mesma importância para o poder e para alguns Media. «Há muitos anos que estou habituado a ameaças mais ou menos veladas» - Qual o preço que pagou por ter denunciado o transporte de presos ilegais através do território português? - Um preço elevado, em termos profissionais e pessoais. Mais do que ter ficado desempregado, depois de ter tentado publicar o relato do transporte de presos ilegais através do território português, o que mais me custou foi ter de interromper o que mais gostava de fazer: Jornalismo. - Já foi alvo de ameaças? - Há muitos anos que estou habituado a ameaças mais ou menos veladas. Para mim, sempre foram um estímulo para trabalhar mais e melhor. - Mantém o que disse sobre o presidente da Impresa — «de que o dr. Francisco Pinto Balsemão deu cobertura ao que se passou» —? - É público que assinei a rescisão do meu contrato de trabalho (na «Visão») depois de não ter podido publicar uma reportagem que fiz nos Açores, em que me foi relatado, entre outros assuntos, o avistamento de prisioneiros agrilhoados nas Lajes. Algumas das peripécias da investigação estão reunidas em livro, — «Voos 'Secretos' CIA — Nos Bastidores da Vergonha», que está disponível, em exclusivo, através do site da minha editora (www.rcpedicoes. com). Em relação ao que disse e está escrito sobre Francisco Pinto Balsemão não tenho nada a acrescentar nem a retirar. Não fiz, nem faço juízos de valor. Ao fim de vinte anos de Jornalismo, estou habituado a ponderar cada uma das minhas palavras. - No «DN» também acabou por ser alvo de censura? - O centenário «Diário de Notícias» pediu-me uma entrevista e depois não a publicou. Porventura, a direcção editorial do matutino não gostou de algumas respostas. Julguei que podia responder responsável e livremente, mesmo em relação a José Sócrates. Continuo a ter o mesmo respeito pelo título. Os jornais são mais do que os seus proprietários, administradores e directores. Permita-me que remeta uma resposta mais clara, novamente, para o meu livro e para o excelente Prefácio, assinado por Jorge Ferreira, advogado, e um grande amigo. «A subserviência, o arbítrio e a hipocrisia» - Nos «bastidores dos media», o que mais o indignou em toda esta história? - A subserviência, o arbítrio e a hipocrisia. - A ERC reuniu com o Rui Costa Pinto no início do ano passado. O que resultou dessa reunião? - Fui recebido pelo Conselho Regulador da ERC, no dia 31 de Janeiro de 2007. Coloquei em cima da mesa uma questão simples: o que deve um Jornalista fazer perante um decisão editorial que o impede de publicar relatos indiciadores de crimes e abandona fontes de informação? Fiquei à espera de uma resposta. Até hoje... Se calhar, os elementos da ERC têm estado muito ocupados com a cronometragem dos noticiários e com as notícias sobre a licenciatura do primeiro-ministro. - Entregou a sua investigação à PGR. Que expectativas tem sobre a conclusão do inquérito? - Pela primeira vez, na minha vida profissional, senti a necessidade de participar ao Procurador- Geral da República uma série de indícios e factos. Tive de proteger as minhas fontes de informação. Fernando Pinto Monteiro teve a coragem de me receber e de me ouvir. Como cidadão, nunca o esquecerei. Mas também não esqueço os sucessivos adiamentos das conclusões do Ministério Público (MP) em relação aos voos da CIA e ao transporte ilegal de prisioneiros através de Portugal. No início do ano de 2008, a conclusão do Inquérito era iminente. Uns meses depois, passou a estar adiada sine die por causa de diversas informações que chegaram a público. É desprestigiante e não augura nada de credível. A investigação do MP não se pode limitar ao discurso da falta de meios e a uma dúzia de diligências que esbarram no Segredo de Estado. A credibilidade que ainda resta à Justiça portuguesa não resiste muito mais. - A única forma que encontrou para publicar as suas conclusões da investigação foi abrir a sua própria editora? - Os tempos estão a mudar. A Imprensa já perdeu há muito tempo o monopólio da Informação. Hoje, os cidadãos têm alternativas e outros mecanismos de intervenção. Há políticos e chefias editoriais que ainda não o perceberam. É preciso não ter medo do poder, mas também é preciso ter igual atitude em relação a uma determinada Imprensa que se julga à margem do escrutínio. Os critérios jornalísticos não podem ser invocados para justificar decisões opacas. Um verdadeiro Jornalista nem tem receio de ser escrutinado, nem tenta abafar quem o escrutina. Tem de haver lisura editorial e humildade profissional. - Abandonou o jornalismo? - Não abandonei o Jornalismo. Nunca serei capaz de o fazer. Já vi passar vários primeiros-ministros, ministros e 'patrões' da Comunicação Social... - Há alguns factos de que teve conhecimento e que acabou por não publicar no seu livro? - Vários. Não tenha quaisquer dúvidas que publicarei mais elementos, a partir do momento em que os considere de interesse público. Seja eu o autor ou o editor

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publicado por João Carvalho Fernandes às 11:00
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