«O Governo ficou refém das suas próprias hesitações, omissões e contradições» Com a devida vénia ao jornal
DiaboIsabel Guerreiro DIABO Depois da recente notícia publicada pelo «El Pais», que divulgou um documento secreto que prova que o Governo de Aznar foi informado, em Janeiro de 2002, pela embaixada dos EUA, da passagem por Espanha de aviões transportando prisioneiros acusados de terrorismo para a prisão de Guantánamo e que, segundo o jornal, outros governos europeus também teriam sido informados, nomeadamente os de Portugal, Turquia e Itália compreende que o Governo português continue a argumentar com o desconhecimento? RUI COSTA PINTO Não. Ninguém com boa-fé o compreende. Houve limites que nunca deveriam ter sido ultrapassados. Desde que Diogo Freitas do Amaral abandonou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Governo ficou refém das suas próprias hesitações, omissões e contradições. Felizmente, o tema tem uma dimensão internacional, a qual lhe confere uma dinâmica que escapa a eventuais comportamentos prepotentes. - Além destas revelações, a que se juntam, entre outras, as suas conclusões no livro recentemente publicado e o relatório da Amnistia Internacional, como classifica o comportamento das autoridades portuguesas em todo este processo? Não são já provas a mais que confirmam o envolvimento de Portugal? - No mínimo, politicamente repreensível. É preciso ter estofo de estadista para assumir a participação e o envolvimento, por acção ou omissão, numa tão grosseira violação de princípios de civilização. Infelizmente, José Sócrates não se compara a José Luis Zapatero ou a Angela Merkel, para citar só alguns dirigentes europeus que tudo estão fazendo para descobrir a verdade. «Acolher detidos em Guantánamo não apaga o que se passou anteriormente» - Quem tem estado a ocultar factos e a não dizer toda a verdade? - Quem tem o dever institucional de revelar tudo o que se passou, ou seja, os órgão do Estado. O Estado não pode nem deve ser confundido com uma qualquer maioria política conjuntural. Nem pode estar à mercê da dúvida sobre a actuação dos Serviços de Informações. Constato também com tristeza o silêncio de anteriores primeirosministros (António Guterres, Durão Barroso e Pedro Santana Lopes) e do anterior e actual Presidente da República (Jorge Sampaio e Aníbal Cavaco Silva). - De onde tem partido a maior parte das movimentações para encobrir a verdade? - O Governo de José Sócrates só admitiu uma parte dos factos depois de Ana Gomes, Eurodeputada socialista, ter revelado dados que o próprio Governo não forneceu em devido tempo. A recente intenção de acolher detidos em Guantánamo (a confirmar-se) é louvável, mas não apaga o que se passou anteriormente. Nunca imaginei assistir a reacções governamentais a reboque de revelações feitas por deputados, jornalistas e governantes de países estrangeiros. Certamente, não é por acaso que a maioria socialista chumbou os pedidos de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Aliás, chegou a ser penoso ter de assistir a algumas declarações, sobre a matéria, de Augusto Santos Silva, que me habituei, em tempos, a ver respeitado na generalidade dos meios de esquerda. - Mas por que motivo os factos não são politicamente assumidos? Por cobardia, por subserviência, por falta de dignidade política? - É uma pergunta que continuo a fazer a mim mesmo. Cheguei a acreditar que a arrogância política do actual primeiro-ministro, para não falar da sua inexperiência , poderia ser uma explicação plausível. Hoje, acho que tem de haver outra razão. Há uns anos, em finais dos anos 90, o País agitou-se por causa da revelação de eventuais ligações de portugueses ao KGB. Hoje, outras ligações à CIA parecem não ter a mesma importância para o poder e para alguns Media. «Há muitos anos que estou habituado a ameaças mais ou menos veladas» - Qual o preço que pagou por ter denunciado o transporte de presos ilegais através do território português? - Um preço elevado, em termos profissionais e pessoais. Mais do que ter ficado desempregado, depois de ter tentado publicar o relato do transporte de presos ilegais através do território português, o que mais me custou foi ter de interromper o que mais gostava de fazer: Jornalismo. - Já foi alvo de ameaças? - Há muitos anos que estou habituado a ameaças mais ou menos veladas. Para mim, sempre foram um estímulo para trabalhar mais e melhor. - Mantém o que disse sobre o presidente da Impresa «de que o dr. Francisco Pinto Balsemão deu cobertura ao que se passou» ? - É público que assinei a rescisão do meu contrato de trabalho (na «Visão») depois de não ter podido publicar uma reportagem que fiz nos Açores, em que me foi relatado, entre outros assuntos, o avistamento de prisioneiros agrilhoados nas Lajes. Algumas das peripécias da investigação estão reunidas em livro, «Voos 'Secretos' CIA Nos Bastidores da Vergonha», que está disponível, em exclusivo, através do site da minha editora (www.rcpedicoes. com). Em relação ao que disse e está escrito sobre Francisco Pinto Balsemão não tenho nada a acrescentar nem a retirar. Não fiz, nem faço juízos de valor. Ao fim de vinte anos de Jornalismo, estou habituado a ponderar cada uma das minhas palavras. - No «DN» também acabou por ser alvo de censura? - O centenário «Diário de Notícias» pediu-me uma entrevista e depois não a publicou. Porventura, a direcção editorial do matutino não gostou de algumas respostas. Julguei que podia responder responsável e livremente, mesmo em relação a José Sócrates. Continuo a ter o mesmo respeito pelo título. Os jornais são mais do que os seus proprietários, administradores e directores. Permita-me que remeta uma resposta mais clara, novamente, para o meu livro e para o excelente Prefácio, assinado por Jorge Ferreira, advogado, e um grande amigo. «A subserviência, o arbítrio e a hipocrisia» - Nos «bastidores dos media», o que mais o indignou em toda esta história? - A subserviência, o arbítrio e a hipocrisia. - A ERC reuniu com o Rui Costa Pinto no início do ano passado. O que resultou dessa reunião? - Fui recebido pelo Conselho Regulador da ERC, no dia 31 de Janeiro de 2007. Coloquei em cima da mesa uma questão simples: o que deve um Jornalista fazer perante um decisão editorial que o impede de publicar relatos indiciadores de crimes e abandona fontes de informação? Fiquei à espera de uma resposta. Até hoje... Se calhar, os elementos da ERC têm estado muito ocupados com a cronometragem dos noticiários e com as notícias sobre a licenciatura do primeiro-ministro. - Entregou a sua investigação à PGR. Que expectativas tem sobre a conclusão do inquérito? - Pela primeira vez, na minha vida profissional, senti a necessidade de participar ao Procurador- Geral da República uma série de indícios e factos. Tive de proteger as minhas fontes de informação. Fernando Pinto Monteiro teve a coragem de me receber e de me ouvir. Como cidadão, nunca o esquecerei. Mas também não esqueço os sucessivos adiamentos das conclusões do Ministério Público (MP) em relação aos voos da CIA e ao transporte ilegal de prisioneiros através de Portugal. No início do ano de 2008, a conclusão do Inquérito era iminente. Uns meses depois, passou a estar adiada sine die por causa de diversas informações que chegaram a público. É desprestigiante e não augura nada de credível. A investigação do MP não se pode limitar ao discurso da falta de meios e a uma dúzia de diligências que esbarram no Segredo de Estado. A credibilidade que ainda resta à Justiça portuguesa não resiste muito mais. - A única forma que encontrou para publicar as suas conclusões da investigação foi abrir a sua própria editora? - Os tempos estão a mudar. A Imprensa já perdeu há muito tempo o monopólio da Informação. Hoje, os cidadãos têm alternativas e outros mecanismos de intervenção. Há políticos e chefias editoriais que ainda não o perceberam. É preciso não ter medo do poder, mas também é preciso ter igual atitude em relação a uma determinada Imprensa que se julga à margem do escrutínio. Os critérios jornalísticos não podem ser invocados para justificar decisões opacas. Um verdadeiro Jornalista nem tem receio de ser escrutinado, nem tenta abafar quem o escrutina. Tem de haver lisura editorial e humildade profissional. - Abandonou o jornalismo? - Não abandonei o Jornalismo. Nunca serei capaz de o fazer. Já vi passar vários primeiros-ministros, ministros e 'patrões' da Comunicação Social... - Há alguns factos de que teve conhecimento e que acabou por não publicar no seu livro? - Vários. Não tenha quaisquer dúvidas que publicarei mais elementos, a partir do momento em que os considere de interesse público. Seja eu o autor ou o editor