Joao Alberto da Fonseca Aguiar Jr.
Escrito por : Henrique Botequilha / VISÃO nº 446 20 Set. 2001 com Henrique Mano (em Nova Iorque), Luís Ribeiro, Miguel Carvalho e Paulo Pena "JJ" aguiar Um herói português A manhã do desaparecimento de João Aguiar Júnior, 30 anos, parece tirada de um filme de acção, no qual já se adivinha que a calma rotina do protagonista será transformada num desencadear de situações inimagináveis. Inimagináveis até esse dia 11 de Setembro em que a ficção foi ultrapassada pela realidade e entre muitos milhares de histórias de coincidências fatais (quase tantas quantas as dos ocupantes do World Trade Center - WTC ) , um português se fez mártir em Nova Iorque.João Aguiar Júnior, JJ como todos o conhecem, sai bem cedo de Colts Neck, no sul de New Jersey, da casa da americana Lisa Singer, 29 anos. Preferia sempre ficar ali, na companhia da noiva, num amplo espaço verde, fazendo longos passeios a cavalo, em vez de ficar no seu apartamento de Hoboken, às portas de Manhattan. Dirige-se de automóvel para Atlantic Highlands, onde apanha o hovercraft que o deixa junto ao WTC. Entra no elevador e às oito e meia em ponto está no escritório da empresa de corretagem e gestão de património Keefe, Bruyette & Woods (KB&W), situado no 87.º andar da torre sul. JJ é, desde há duas semanas, o vice-presidente e anda motivado como nunca. Fora promovido pouco depois de receber o certificado de analista financeiro, que lhe levara três anos a conseguir. Passou a dirigir a secção de gestão de património, com uma equipa de cinco pessoas.O grosso dos 150 funcionários da KB&W está na área da corretagem. Mal tinha acabado de cumprimentar a secretária, Lilian, ouve uma explosão na torre vizinha. Os quatro colegas que partilham o espaço com JJ abeiram-se da janela e tentam perceber o que se está a passar. Não chegam a grandes conclusões, como mais tarde dirá ao pai, João Aguiar, 53 anos, ao reconstituir essa manhã trágica.Telefona para Lisa, mas ela encontra-se ao volante a caminho do emprego e não está a ouvir notícias. Deixa um recado: «Aconteceu algo no WTC, mas estou bem», tranquiliza. Ela só saberá do sucedido largos minutos depois, quando o congestionamento das linhas já não permite qualquer contacto. JJ ordena a evacuação do escritório e sai com Lilian pelas escadas, para apanhar, dez pisos abaixo, um elevador que desce mais depressa ao piso térreo. Não há pânico, apesar das notícias serem incertas, porque as chamas estão na torre do lado. Enquanto a secretária desce, o executivo português decide voltar atrás. Vai convencer os colegas a saírem. A ordem de evacuação não lhes fora dada.Os colegas de sala de JJ não voltarão a vê-lo. Sabem apenas que, antes de abandonar o edifício, ainda vai dar o alarme aos funcionários do Banco Fuji, nos andares 60.º e 61.º, com os quais trabalhara até há dois anos. «É nessa altura que se dá o segundo embate, precisamente na área para onde JJ se dirigia», diz o seu pai. A partir desse momento, o mais novo dos seus três filhos desaparece nas chamas, no fumo e nas ruínas.João Aguiar (JA) recebeu a notícia do atentado como quase toda a gente: pela televisão. Estava em Sintra (mora em Galamares, com a mulher, Diane, cidadã norte-americana) , a passear com amigos dos EUA, quando viu uma multidão em frente das imagens televisivas. Assustado, tentou ligar para o filho, mas o seu telemóvel foi-se abaixo. «Se tivesse funcionado, de certeza que o tinha convencido a descer», lamenta. Em todo o caso, seria tarde.Desde que JA e sua mulher chegaram aos EUA, no domingo, 16, ouviram vários relatos sobre a actuação de JJ durante os atentados. Pelo menos quatro pessoas dizem que lhe devem a vida. E numa missa que a empresa encomendou pela alma dos funcionários desaparecidos, «o seu nome foi referido como um herói», contam.Num país onde a palavra sucesso é decisiva, JJ estava no bom caminho. «Ele adorava a firma e queria muito subir no ranking», lembra Lisa. «E sonhava com tudo o que um americano deseja: um óptimo emprego, uma família estável e bons amigos», acrescenta a namorada.Rick e Susan Hollandsworth são um casal de amigos americanos de JJ. Logo nos primeiros momentos da tragédia colocaram online uma página dedicada ao português desaparecido. «João, um dos meus melhores amigos, era carinhoso, atencioso e sempre disponível para ajudar. Ele esteve presente quando conheci a minha mulher e esteve a meu lado quando me casei. Não era apenas um homem bom, foi o meu padrinho (trocadilho com best-man)», escreve Rick. Também na KB&W, que montou um gabinete de crise para responder às solicitações de familiares e amigos de desaparecidos, o apelido Araújo é logo substituído por um amigável «JJ». «Ele foi um herói. Desapareceu quando organizava a evacuação dos outros funcionários. Toda a gente saiu em segurança, menos ele», dizem-nos.«Era tudo o que se pode querer de um filho, era um dos meus melhores amigos, falávamos quase todos os dias, às vezes horas. Tinha um grande sentido de humor e adorava a vida», sublinha a mãe, Diane, num encontro com a VISÃO, na localidade de Red Bank, no sul de New Jersey, onde JJ nasceu há 30 anos. Foi nesta região que cresceu e fez os primeiros estudos, antes de o pai regressar a Portugal, depois de 15 anos nos EUA, a trabalhar na banca.JJ completou o liceu em Carcavelos, no Colégio Saint Julian's, e tinha amigos desse tempo a residir em Nova Iorque. Prosseguiu o ensino superior em inglês, regressando aos EUA para se formar em gestão financeira, primeiro na Universidade de Adelphy, Long Island, e depois na Universidade George Washington.A família, mal soube da sua localização, no momento do segundo embate, perdeu a fé de encontrar JJ com vida: «Vim aqui para resgatar o corpo e enterrá-lo», diz, resignado, João Aguiar, que deixa um aviso ao Governo português: «Se Portugal não se juntar à coligação contra o terrorismo, não está a lutar pela liberdade. Eu próprio me ofereço para integrar um corpo expedicionário.»