Segunda-feira, 29 de Setembro de 2003
A GOVERNANÇA SEM GOVERNO
Transcrevo aqui excelente artigo do Prof. José Adelino Maltez, publicado hoje no
Diário Digital :
Dizem os manuais clássicos que existe crise política quando ninguém consegue responder com clarividência à pergunta sobre "quem manda?" ou "quem governa?".Com efeito, neste Estado-Espectáculo a que chegámos, quem parece, e aparece, como aquele que governa, talvez não seja, afinal, quem efectivamente comanda os fios da trama do poder infra-estrutural. Pelo menos, aqui e agora, há uma espécie de governança sem governo, gerada por um sistema de aparente pilotagem automática, onde até o patente vazio de certos ministros não tem impedido o prosseguimento de efectivas políticas que, às vezes, nem sequer correspondem ao que solenemente se proclamou num programa de governo.Não é, pois, de estranhar que os donos do situacionismo, desde os hierarcas formais aos comentadores oficiosos, se comecem a mobilizar numa espécie de santa aliança defensiva, que, nome do poder pelo poder, finge secundar os argumentos da oposição, durante o fim de semana, para, nos dias de trabalho, os contradizer pela acção.A "ditadura do statu quo" deste "Estado a que chegámos" até começa a ensaiar a divisão entre os bons e os maus portugueses, à boa maneira dos "talibãs" e do "puritanismo". Veja-se, por exemplo, esse máximo do politicamente correcto que é a verbosidade do anti-politicamente correcto, principalmente quanto à questão europeia.Já começou a desencadear-se o falso maniqueísmo do que nos querem dividir entre os "federalistas" e os "nacionalistas" ou entre os "europeístas" e os "anti-europeístas", como se nestas questões só houvesse filmes a preto e branco, com radicais "euro-cépticos" e situacionistas "euro-calmos" que tentam assumir o monopólio do "euro-esclarecimento".Ora ninguém deixa de ser europeísta quando concebe a Europa como uma democracia de muitas democracias e não como uma super-estrutura comissária, directamente irresponsável perante os povos, numa espécie de sacro-império burocrático em regime de despotismo iluminado, mesmo que com boas intenções construtivistas. Ninguém deixa de acreditar no projecto europeu quando rejeita a hipótese de super-congresso multitudinário sem respeito pelas democracias vivas e directas dos vários cantões nacionais.Por mim, como cidadão de uma nação-Estado que, por acaso é a mais permanecente de todas as unidades políticas da Europa, só aceito participar nas oscilações da balança da Europa enquanto o modelo de organização política dos textos fundamentais da União Europeia me garantir a conservação das liberdades nacionais. A Europa em que eu acredito, a Europa que leio nas entrelinhas dos pais- fundadores, é uma Europa que foi feita contra os erros políticos que levaram ao permanente confronto de impérios europeus. Daqueles impérios europeus que sempre foram uma degenerescência da política. O regresso ao império do nacionalismo europeu tem que ser intelectualmente desconstruído e popularmente rejeitado, para que não voltemos a ser docemente invadidos pelos agentes duplos, que efectivamente servem os desígnios de Bonaparte, Metternich ou Bismarck.