Terça-feira, 5 de Julho de 2005
A BENÇÃO DA LOCOMOTIVA - GUERRA JUNQUEIRO
A obra está completa. A máquina flameja, Desenrolando o fumo em ondas pelo ar. Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja, Que é preciso que um bispo a venha baptizar. Como ela é concerteza o fruto de Caím, A filha da razão, da independência humana, Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim, E convertam-na à fé Católica Romana. Devem nela existir diabólicos pecados, Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais Saem da natureza, ímpios, excomungados, Como saímos nós dos ventres maternais! Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra, Extraí a heresia ao aço lampejante! Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra, E há-de ser com certeza um pouco protestante. Para que o monstro corra em férvido galope, Como um sonho febril, num doido turbilhão, Além do maquinista é necessário o hissope, E muita teologia... além de algum carvão. Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta, Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar, E lancem na caldeira um jorro d'água benta, Que com água do céu talvez não possa andar.Guerra Junqueiro